Há gente que nunca desiste. É impossível desistir. Sempre.
Abriu a 24 de
Maio fechará portas a 24 de Agosto. Uma exposição com fotografia do 25 de
Abril, no Parque Empresarial da Mutela (em frente à antiga Lisnave) | de 5ª
feira a domingo das 11h às 19h.
Serge Tréfaut, curador da exposição, explica:
Para Margarida Medeiros, in memoriam
Venham mais cinco foi uma ideia que
surgiu no Verão de 1993, quando Margarida Medeiros e Ana Soromenho me
desafiaram para produzir uma grande exposição com as imagens dos fotógrafos
estrangeiros que haviam retratado o processo revolucionário português. No ano
seguinte seria comemorado o vigésimo aniversário do 25 de Abril.
Eu acabara de organizar O Mês da
Fotografia, um conjunto de exposições, que incluíam Trabalho, de Sebastião
Salgado, e a colectiva Magnum no Leste. Estava em diálogo com alguns dos
autores que queríamos contactar. Margarida e eu rumámos a Paris e mergulhámos
nos arquivos das grandes agências internacionais, vasculhando milhares de
provas de contacto.
Para nossa tristeza, a exposição não se
pôde fazer em 1994. Não era politicamente oportuna. Em 1999, transformei
o desejo da mostra no meu primeiro documentário, Outro País, que aborda
quase o mesmo tema. Participaram Sebastião e Lélia Salgado, Guy Le Querrec,
Jean Gaumy e Dominique Issermann, entre outros.
Apesar da existência do filme, ao longo
de três décadas, nunca desistimos da exposição. Margarida e eu reescrevemos
várias vezes a proposta. Finalmente, em 2023, graças à insistência de uma amiga
comum, a jornalista Kathleen Gomes, conseguimos que a Comissão Comemorativa do
Cinquentenário do 25 de Abril advogasse em nosso favor junto do Ministério da
Cultura. De repente, a porta se abriu.
Três décadas depois, muitos dos arquivos
tinham mudado de mãos, alguns tinham desaparecido. Nem todos os fotógrafos
continuavam vivos.
Três décadas depois, a exposição vai
abrir as suas portas. Entre o início da nossa pesquisa, no Outono de
1993, em Paris, e o seu recente desaparecimento, Margarida tinha se
transformado numa das maiores especialistas de fotografia em Portugal, autora
de livros de referência, curadora de exposições e responsável pela formação de
várias gerações de estudantes. Esta exposição nasceu da nossa amizade.
Portugal no centro do mundo
Entre 25 de Abril de 1974 e 25 de
Novembro de 1975, Portugal foi manchete quase diária de toda a imprensa
internacional. Nunca nada de semelhante acontecera ou viria a acontecer no
país, por um período tão largo de tempo.
O fim abrupto de uma ditadura de 48
anos, o início da democratização que parecia seguir por caminhos inesperados,
as dúvidas a respeito do processo de independência de grandes países africanos,
tudo fazia com que o mundo inteiro voltasse os olhos para Portugal. De um dia
para o outro aterraram em Lisboa fotógrafos das maiores agências
internacionais, jovens e veteranos, que captaram imagens por todo o país, acompanhando
a sucessão vertiginosa dos acontecimentos.
Muitos vieram em missões de curta
duração, outros instalaram-se vários meses para perceber e retratar o que se
passava. Quase tudo era surpreendente para os estrangeiros: a situação política
inédita num país europeu, o quotidiano dos portugueses, a forma como a política
entrava na vida da população. Eram fotógrafos experientes. Tinham um olhar
incisivo, procuravam imagens para as capas das revistas de maior tiragem, mas
também revelavam empatia, encantamento e genuíno interesse antropológico.
Durante cerca de um ano e meio fotografaram tudo.
A galeria de imagens começa no final de
Abril, quando o golpe de Estado do Movimento das Forças Armadas se transforma
em revolução, com as ruas cheias de uma população a quem fora pedido para ficar
em casa, e que, pelo contrário, subia para cima dos tanques, entregava café e
flores aos soldados, gritava e chorava de alegria. Seguem-se imagens da
detenção dos agentes da PIDE (prémio World Press Photo 1974, de Henri Bureau),
mas também fotografias de cravos nas espingardas que transmitiram ao mundo esse
novo conceito: a revolução dos cravos.
Muitos fotógrafos estavam na tomada da
PIDE/DGS, na chegada dos exilados políticos e na irrepetível manifestação do
primeiro de Maio de 1974, com soldados e marinheiros abraçados a uma
população feliz como nunca fora.
Nos meses que se seguiram, quando tudo
podia acontecer e a surpresa era a regra do quotidiano, os fotógrafos seguiram
as ocupações de fábricas, as nacionalizações, a Reforma Agrária, as Campanhas
de Dinamização Cultural promovidas pelo MFA, o surgimento dos partidos
políticos, as campanhas eleitorais para a Assembleia Constituinte.
Os mesmos fotógrafos voaram para Angola
e Moçambique, procurando retratar o processo de descolonização e o regresso
massivo de portugueses que viviam em África.
A partir da segunda metade de 1975
transmitiram para o mundo imagens de um país dividido, com ataques às sedes do
Partido Comunista e a outros movimentos de esquerda. Seguiram as ocupações do
Jornal República e da Rádio Renascença, bem como a politização crescente da
igreja católica. Retrataram, finalmente, as tensões no exército, o conflito
militar latente no 25 de Novembro e o sentimento de orfandade de alguns
militares na base de Tancos.
Depois do 25 de Novembro, os fotógrafos
estrangeiros deixam gradualmente o país. Alguns tornam-se estrelas maiores do
mundo da fotografia. Portugal terá sido um balão de ensaio, onde puderam provar
que tinham a distância e a sabedoria para sintetizar em imagens um processo
extremamente complexo.
Neste catálogo, tal como na exposição,
as fotografias não surgem sempre de forma cronológica. São agrupadas por temas
e também se articulam numa narrativa dramática, onde duas imagens de momentos
diferentes podem estar lado a lado por contraste, estabelecendo choques e
pontes.
Após 50 anos, alguns arquivos
desapareceram. Por esta razão, em casos excecionais, quando não houve acesso a
negativos nem a provas em papel, decidiu-se reproduzir imagens publicadas em
livros. À data de hoje é única forma de partilhar imagens únicas, de um período
decisivo da história de Portugal.
Venham mais cinco
É o título de uma célebre canção de José
Afonso, escolhida pelos militares do MFA para ser tocada no Rádio Renascença na
madrugada de 25 de Abril de 1974, como senha do início do golpe militar. Mas,
dois dias antes, perceberam que a canção estava numa lista negra e não poderia
ser transmitida sem levantar suspeitas. Decide-se então usar outro tema de José
Afonso, Grândola (não proibido), para sinalizar o início do golpe. Ao escolher
Venham mais cinco como título desta exposição, prestamos homenagem à grandeza
única de José Afonso e ficamos à espera de mais cinco revoluções.
Tomem nota
que, nos sábados e domingos que ainda faltam, existirá visitas guiadas à exposição:
21 junho, sábado, 17h - Manuel Martins Guerreiro Nuno Santos Silva com Luisa
Tiago de Oliveira
28 junho, sábado, 17h - José Neves, Manuel Begonha com Luisa Tiago de Oliveira
05 de julho, sábado, 17h - Fernando Rosas, Sónia Vespeira de Almeida com Luisa
Tiago de Oliveira
12 de julho, sábado, 17h - Ana Luísa Rodrigues, Irene Pimentel com Luisa Tiago
de Oliveira
19 de julho, sábado, 17h - Jacinto Godinho José Pacheco Pereira com Luisa Tiago
de Oliveira.
As inscrições
nas visitas comentadas devem ser feitas através do email: [email protected]
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