Naquela mesa ao fundo do bar, na faculdade
de letras, no tempo em que nada acontecia,
fugindo
ao olhar atento dos contínuos, falávamos
mais
de política do que de amor, a não ser
quando
tu passavas pelas mesas para ir buscar o
café e os teus
cabelos lembravam as deusas da
antiguidade, com os
ombros nus e o olhar perdido nalgum
futuro que
só tu previas. Às vezes, o fumo do
tabaco envolvia-te
em uma névoa que lembrava os campos de
batalha
e era como se pedisses que nos fôssemos
alistar
nos teus sonhos; mas nós queríamos a
realidade
das tuas mãos, e não o ideal de que a
tua presença
nos afastava, calando as conversas à tua
volta e
obrigando os que estudavam a fechar os
livros. E
eras tu, nesse tempo em que nada
acontecia, que
fazias acontecer o que não se podia
confessar:
o desejo que deixavas, à tua passagem, e
que
tínhamos de guardar connosco para que, à
nossa volta, ninguém nos acusasse de
fugir
à revolução de que os teus cabelos nos
distraíam.
Nuno Júdice
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