sexta-feira, 27 de junho de 2025

NAQUELA MESA AO FUNDO DO BAR

Naquela mesa ao fundo do bar, na faculdade

de letras, no tempo em que nada acontecia, fugindo

ao olhar atento dos contínuos, falávamos mais

de política do que de amor, a não ser quando

tu passavas pelas mesas para ir buscar o café e os teus

cabelos lembravam as deusas da antiguidade, com os

ombros nus e o olhar perdido nalgum futuro que

só tu previas. Às vezes, o fumo do tabaco envolvia-te

em uma névoa que lembrava os campos de batalha

e era como se pedisses que nos fôssemos alistar

nos teus sonhos; mas nós queríamos a realidade

das tuas mãos, e não o ideal de que a tua presença

nos afastava, calando as conversas à tua volta e

obrigando os que estudavam a fechar os livros. E

eras tu, nesse tempo em que nada acontecia, que

fazias acontecer o que não se podia confessar:

o desejo que deixavas, à tua passagem, e que

tínhamos de guardar connosco para que, à

nossa volta, ninguém nos acusasse de fugir

à revolução de que os teus cabelos nos distraíam.

 

Nuno Júdice

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