Cimeira da
NATO em Haia.
Uma enorme
palhaçada para adormecer camelos.
Num graxismo
nunca visto em acontecimentos deste jaez, o Secretário-Geral da NATO, o
incrível Mark Rutte, numa mensagem, possivelmente particular, enredou-se num
bajulamento com Donald Trump, que de imediato a tornou pública.
Vergonha das
vergonhas!
Mark Rute
retratou Trump como o “papá”, pelo seu papel nas negociações para alcançar um
cessar-fogo entre o Irão e Israel e Donald comentou que Rutte foi muito
carinhoso para com ele.
«Ele gosta de
mim, acho que gosta de mim. Se não gostar, eu digo-te: Volto e bato-lhe com
força, está bem? Muito afetuoso", disse Trump, em resposta à pergunta de
uma jornalista da Sky News, à margem da cimeira da NATO, em Haia.
"Ele
fê-lo com muito carinho. Papá, tu és o meu papá", continuou.
Convém
recordar que o termo surgiu porque Trump
comparou o Irão e Israel como "dois miúdos no recreio de uma
escola", que tinham de ser deixados a "lutar durante dois ou três
minutos" para ser "mais fácil pará-los".
Foi nesta
altura que o secretário da NATO interveio para dizer que, depois, "o
papá tem de usar linguagem forte para os fazer parar".
"É
preciso usar linguagem forte, de vez em quando; é preciso usar uma certa
palavra", concordou Trump.
Tudo isto
aconteceu mesmo?
Não será um qualquer
sketch dos Monty Python?
1.
Maria João
Guimarães no Público de hoje:
«Após doze
dias de guerra, Israel, EUA e Irão “não cumpriram todos os seus objectivos”
Israel conseguiu uma vitória, mas no país “começam as perguntas”, o mesmo nos
EUA. O Irão sofreu uma derrota humilhante, mas o programa nuclear apenas se
atrasou, e o regime não caiu.
Foram dias nada menos do que extraordinários, com os primeiros ataques
israelitas, a resposta iraniana, a entrada dos EUA na guerra, e ainda um
cessar-fogo, anunciado, quebrado, o que fez um Presidente ordenar uma acção a
um aliado através de uma rede social. Se muito mudou nesta guerra cheia de
acontecimentos “sem precedentes”, houve ainda muito que se manteve. Isso
provoca preocupação quanto à longevidade desta calma após a tempestade.»
2.
Marcelo
Rebelo de Sousa garantiu que Portugal não teve conhecimento de ataque ao Irão.
3.
«É muito difícil escrever na manhã
seguinte a uma declaração de guerra. Kafka escreveu no seu diário, no dia 2 de
agosto de 1914: “Hoje a Alemanha declarou guerra à Rússia. De tarde fui nadar”.
Kafka não foi indiferente aos acontecimentos e escritos posteriores seus
mostram a sua angústia perante a guerra que dilacerava a Europa. Mas o que se
pode dizer no início ou na viragem decisiva de uma guerra?
As declarações de guerra, apresentadas
formalmente aos governos por embaixadores em trajes de cerimónia, são, porém,
coisa do passado. O estado de guerra entre o Irão e Israel existia há muito
tempo e o facto novo, mas tão ou mais relevante do que uma declaração de guerra
à antiga maneira diplomática, foi a entrada em força dos Estados Unidos nesta
guerra.
A Arábia Saudita, que se apressou a
condenar o ataque dos seus amigos americanos, e os emiratos do Golfo Pérsico
(insisto, Golfo Pérsico) sabem que Teerão e os seus aliados hutis no Iémen têm
capacidade para bloquear as suas remessas de petróleo por algum tempo. Esta
viragem fundamental (embora previsível) no curso da guerra no Médio Oriente vai
obrigar os Estados árabes a mais declarações platónicas de apoio aos
palestinianos, que entretanto continuarão a ser massacrados, agora com menos
espetadores, porque as atenções estarão viradas para o Irão. Uma boa notícia
também para Putin, que se permite declarar, contra todos os tratados que a
Rússia assinou, que a Ucrânia é uma parte integrante da Rússia.
Nós não sabemos (e a declaração
arrogante de Trump de que a Europa nada tinha que ver com as negociações com o
Irão mostra que muitos mais não sabiam) os negócios ou, como prefere dizer
Trump, as transações, que terão sido tecidas entre os poderes dominantes, de
que a Europa foi excluída, isto é, entre os Estados Unidos, a Rússia e (quem
sabe?) a China.
E como nem nós, leitores do Diário de Notícias, nem os dirigentes da nossa
Europa (o que é mais grave) estão dentro da verdadeira negociação paralela a
esta batalha, encerro esta página, não, como Kafka, declarando a minha intenção
de ir nadar (ainda que o tempo hoje esteja bom para essa atividade), mas
ocupando os carateres que me restam com o final da crónica que tinha escrito
para hoje, sobre a perda das ilusões e a corrida, no final de Os Maias,
de Carlos da Maia e João da Ega atrás de um transporte público:
Atrevo-me a pensar que alguns leitores
possam sentir-se identificados, lá no fundo de si mesmos, com o estado de perda
de ilusões em que este cronista se encontra (ou pretende que se encontra: como
o poeta, o cronista é um fingidor). Se assim for, terá valido a pena este
exercício de escrita à volta da perda das ilusões. É aliás um belo título de um
excelente romance de Balzac, As Ilusões Perdidas, que em muitas ocasiões parece até passar-se nos
dias de hoje. Ou o final da Educação Sentimental de Flaubert
ou dos Maias do Eça, onde a perda das ilusões é sintetizada numa conversa
cínica entre os principais personagens (Flaubert) ou numa cómica corrida atrás
de um meio de transporte, a caminho de uma capitosa ceia (Eça). Porque, afinal,
perdidas as ilusões, resta-nos só o irrisório exercício da nossa sobrevivência.
A lanterna vermelha do americano, ao
longe, no escuro, parara. E foi em Carlos e João da Ega uma esperança, outro
esforço:
- Ainda o apanhamos!
- Ainda o apanhamos!»
Luís Filipe Castro Mendes no Diário de Notícias