sexta-feira, 27 de junho de 2025

EM BUSCA DE FLORES AZUIS NO DESERTO


Não há palavras.

Mas o que ainda é mais desesperante e trágico, é não existir, neste mundo, um organismo, o que quer que seja, que faça uma intervenção enérgica que prendesse Benjamim Neta e o enfiasse num calaboiço.

O Público coloca, hoje, na 1ª página que, em Gaza, soldados israelitas denunciam que as autoridades israelitas deram ordenas apara atirar a matar sobre os palestinianos que procuram comida.


«Desde 27 de Maio, quando a Gaza Humanitarian Foundation começou a distribuir ajuda humanitária no centro e Sul da Faixa de Gaza, até meados desta semana, morreram 549 palestinianos e 4066 ficaram feridos enquanto tentavam obter comida junto dos centros de distribuição militarizados suportados pelos Estados Unidos e Israel.
Esta contabilidade feita pelo Ministério da Saúde de Gaza (administrado pelo Hamas) talvez seja mais fácil de perceber com a confirmação dada por oficiais e soldados das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) ao jornal Haaretz de que têm ordem para disparar sobre as multidões de civis que se aproximam destes locais, mesmo sem sinal de qualquer ameaça evidente.

De acordo com o jornal israelita, vários comandantes ordenaram disparos sobre as multidões, para dispersá-las, naquilo que um soldado descreveu como o colapso total do código ético das IDF em Gaza. “É um campo de morte”, descreveu outro militar. “Onde eu estava estacionado, entre uma e cinco pessoas eram mortas todos os dias. São tratados como forças hostis e não há quaisquer medidas de controlo de multidões, ou gás lacrimogéneo. Só fogo vivo com tudo o que se imagine: metralhadoras pesadas, lançadores de granadas, morteiros. Depois, quando o centro abre, o tiroteio pára e eles sabem que podem aproximar-se. A nossa forma de comunicação são disparos”, descreveu.»

Como é possível que  o simples acto de dar comida a quem tem fome, é se transforma num isco, numa armadilha para israelitas e norte-americano, matar palestinianos?

Que mundo criámos?...

O OUTRO LADO DAS CAPAS

Estamos perante o 8º volume sobre o 25 de Abril de que o Público, desde 25 de Novembro de 2024, no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, anda a publicar, e que terminará com o último volume a sair a 25 de Agosto.

Documentos notáveis que fazem lembrar memórias a uns e ensinam outros para que possam ficar com uma qualquer ideia do que foi essa data histórica. 

OLHAR AS CAPAS


25 de Abril: Documento

Coordenação:

Afonso Praça

Albertino Antunes

António Amorim

Cesário Borga

Fernando Cascais

Capa: Carlos Rafael

Colecção 25 de Abril Os Dias da Revolução nº 8

CasaViva Editora

Edição fac-simile A Bela e o Monstro/Rapsódia Final/Jornal Público, Lisboa Junho de 2025.

Não se pretende com este livro conseguir mais do que um simples repositório de factos e documentos que caracterizaram o 25 de Abril e os primeiros dias da vida da Junta de Salvação Nacional e de liberdade do povo português. Análises que só poderiam ser imprecisas e precipitadas tão frescos estão ainda os acontecimentos, não se encontram nas páginas que se seguem. Quando muito, apontam-se algumas das mais notórias implicações das medidas já tomadas e do renascer deste País para a democracia. 

A MEMINA DANÇA?


Lembranças do José Duarte, lembrança dos tempos em que havia programas de rádio.

Quando soube da morte do José Duarte, procurei este papel. Não o encontrei. Apareceu agora, quando procurava algo completamente diferente:

«Por um dia, um dia que seja, mande a televisão dar uma curva ao bilhar grande. Sente-se num poltrona e ouça rádio. Aos domingos das dez à meia-noite, na Rádio Comercial, «A Menina Dança?»

Mas é travessa a menina, pois só dança com o José Duarte, para desespero nosso.

Músicas dos anos 30, 40, 50. A música das «big bands», as orquestras dos «Dias da Rádio». Também as canções do Sinatra, como não podia deixar de ser. Músicas ao som das quais apanhei grandes «tampas» que, de imediato, afogava em taças de vinho branco fresquinho a cinco c’roas cada que gelavam dentro dum grande alguidar de zinco, repleto de blocos de gelo, nos bailes de bombeiros da Trafaria. Aquilo é que eram bailes. Com as avós, as mães, as tias, sentadas em cadeiras de madeira, rigorosamennte, vigiando os passes das meninas, as mãos do dançante. Com damas ao bufete e «swing».

Torne-se, pois, diferente em cada noite de domingo, e enquanto os outros vêem televisão, ouça rádio. E dance.

- A MENINA DANÇA», Rádio Comercial, FM Stereo, 97,4, aos domingos, 22,00/24,00 Horas.

P.S.


Final do 2º volume da Obra Completa do Mário-Henrique Leiria, editada pela  E-Primatur,  são  570 páginas de grande literatura portuguesa, que já ninguém lê, já ninguém quer saber!

E não, não encontrámos ninguém como tu. 

E estás a fazer-nos uma falta do caraças!

NAQUELA MESA AO FUNDO DO BAR

Naquela mesa ao fundo do bar, na faculdade

de letras, no tempo em que nada acontecia, fugindo

ao olhar atento dos contínuos, falávamos mais

de política do que de amor, a não ser quando

tu passavas pelas mesas para ir buscar o café e os teus

cabelos lembravam as deusas da antiguidade, com os

ombros nus e o olhar perdido nalgum futuro que

só tu previas. Às vezes, o fumo do tabaco envolvia-te

em uma névoa que lembrava os campos de batalha

e era como se pedisses que nos fôssemos alistar

nos teus sonhos; mas nós queríamos a realidade

das tuas mãos, e não o ideal de que a tua presença

nos afastava, calando as conversas à tua volta e

obrigando os que estudavam a fechar os livros. E

eras tu, nesse tempo em que nada acontecia, que

fazias acontecer o que não se podia confessar:

o desejo que deixavas, à tua passagem, e que

tínhamos de guardar connosco para que, à

nossa volta, ninguém nos acusasse de fugir

à revolução de que os teus cabelos nos distraíam.

 

Nuno Júdice

quinta-feira, 26 de junho de 2025

TRUMPALHADAS


Numa publicação na rede social Truth repleta de elogios a Benjamin Netanyahu - a quem se refere pela alcunha Bibi - Trump afirma ter sido informado que este foi convocado para na segunda-feira continuar  o processo que dura desde Maio de 2020.

"Inédito! Esta é a primeira vez que um primeiro-ministro israelita em exercício vai a julgamento, politicamente motivado para lhe causar grandes danos. Tal CAÇA ÀS BRUXAS, para um homem que deu tanto, é para mim impensável. Ele merece muito mais do que isso, tal como o Estado de Israel", afirma Trump.

"O julgamento de Bibi Netanyahu deveria ser CANCELADO, IMEDIATAMENTE, ou dado um Perdão a um Grande Herói, que tanto fez pelo Estado", frisa.  

Benjamin Netanyahu está a ser julgado em Israel sob acusações de suborno, fraude e abuso de confiança em três casos distintos.

NÃO ENTRES DOCILMENTE NESSA NOITE SERENA

Não entres docilmente nessa noite serena,
porque a velhice deveria arder e delirar no termo do dia;
odeia, odeia a luz que começa a morrer.

No fim, ainda que os sábios aceitem as trevas,
porque se esgotou o raio nas suas palavras, eles
não entram docilmente nessa noite serena.

Homens bons que clamaram, ao passar a última onda, como podia
o brilho das suas frágeis ações ter dançado na baia verde,
odiai, odiai a luz que começa a morrer.

E os loucos que colheram e cantaram o vôo do sol
e aprenderam, muito tarde, como o feriram no seu caminho,
não entram docilmente nessa noite serena.

Junto da morte, homens graves que vedes com um olhar que cega
quanto os olhos cegos fulgiriam como meteoros e seriam alegres,
odiai, odiai a luz que começa a morrer.

E de longe, meu pai, peço-te que nessa altura sombria
venhas beijar ou amaldiçoar-me com as tuas cruéis lágrimas.
Não entres docilmente nessa noite serena.
Odeia, odeia a luz que começa a morrer.

Dylan Thomas

Tradução: Fernando Guimarães

quarta-feira, 25 de junho de 2025

DISTO, DAQUILO E DAQUELOUTRO


Cimeira da NATO em Haia.

Uma enorme palhaçada para adormecer camelos.

Num graxismo nunca visto em acontecimentos deste jaez, o Secretário-Geral da NATO, o incrível Mark Rutte, numa mensagem, possivelmente particular, enredou-se num bajulamento com Donald Trump, que de imediato a tornou pública.

Vergonha das vergonhas!

Mark Rute retratou Trump como o “papá”, pelo seu papel nas negociações para alcançar um cessar-fogo entre o Irão e Israel e Donald comentou que Rutte foi muito carinhoso para com ele.

«Ele gosta de mim, acho que gosta de mim. Se não gostar, eu digo-te: Volto e bato-lhe com força, está bem? Muito afetuoso", disse Trump, em resposta à pergunta de uma jornalista da Sky News, à margem da cimeira da NATO, em Haia.

"Ele fê-lo com muito carinho. Papá, tu és o meu papá", continuou.

Convém recordar que o termo surgiu  porque Trump comparou o Irão e Israel como "dois miúdos no recreio de uma escola", que tinham de ser deixados a "lutar durante dois ou três minutos" para ser "mais fácil pará-los". 

Foi nesta altura que o secretário da NATO interveio para dizer que, depois, "o papá tem de usar linguagem forte para os fazer parar".

"É preciso usar linguagem forte, de vez em quando; é preciso usar uma certa palavra", concordou Trump.

Tudo isto aconteceu mesmo?

Não será um qualquer sketch dos Monty Python?

1.

Maria João Guimarães no Público de hoje:

«Após doze dias de guerra, Israel, EUA e Irão “não cumpriram todos os seus objectivos”
Israel conseguiu uma vitória, mas no país “começam as perguntas”, o mesmo nos EUA. O Irão sofreu uma derrota humilhante, mas o programa nuclear apenas se atrasou, e o regime não caiu.

Foram dias nada menos do que extraordinários, com os primeiros ataques israelitas, a resposta iraniana, a entrada dos EUA na guerra, e ainda um cessar-fogo, anunciado, quebrado, o que fez um Presidente ordenar uma acção a um aliado através de uma rede social. Se muito mudou nesta guerra cheia de acontecimentos “sem precedentes”, houve ainda muito que se manteve. Isso provoca preocupação quanto à longevidade desta calma após a tempestade.»

2.

Marcelo Rebelo de Sousa garantiu que Portugal não teve conhecimento de ataque ao Irão.

3.

«É muito difícil escrever na manhã seguinte a uma declaração de guerra. Kafka escreveu no seu diário, no dia 2 de agosto de 1914: “Hoje a Alemanha declarou guerra à Rússia. De tarde fui nadar”. Kafka não foi indiferente aos acontecimentos e escritos posteriores seus mostram a sua angústia perante a guerra que dilacerava a Europa. Mas o que se pode dizer no início ou na viragem decisiva de uma guerra?

As declarações de guerra, apresentadas formalmente aos governos por embaixadores em trajes de cerimónia, são, porém, coisa do passado. O estado de guerra entre o Irão e Israel existia há muito tempo e o facto novo, mas tão ou mais relevante do que uma declaração de guerra à antiga maneira diplomática, foi a entrada em força dos Estados Unidos nesta guerra.

A Arábia Saudita, que se apressou a condenar o ataque dos seus amigos americanos, e os emiratos do Golfo Pérsico (insisto, Golfo Pérsico) sabem que Teerão e os seus aliados hutis no Iémen têm capacidade para bloquear as suas remessas de petróleo por algum tempo. Esta viragem fundamental (embora previsível) no curso da guerra no Médio Oriente vai obrigar os Estados árabes a mais declarações platónicas de apoio aos palestinianos, que entretanto continuarão a ser massacrados, agora com menos espetadores, porque as atenções estarão viradas para o Irão. Uma boa notícia também para Putin, que se permite declarar, contra todos os tratados que a Rússia assinou, que a Ucrânia é uma parte integrante da Rússia.

Nós não sabemos (e a declaração arrogante de Trump de que a Europa nada tinha que ver com as negociações com o Irão mostra que muitos mais não sabiam) os negócios ou, como prefere dizer Trump, as transações, que terão sido tecidas entre os poderes dominantes, de que a Europa foi excluída, isto é, entre os Estados Unidos, a Rússia e (quem sabe?) a China.

E como nem nós, leitores do Diário de Notícias, nem os dirigentes da nossa Europa (o que é mais grave) estão dentro da verdadeira negociação paralela a esta batalha, encerro esta página, não, como Kafka, declarando a minha intenção de ir nadar (ainda que o tempo hoje esteja bom para essa atividade), mas ocupando os carateres que me restam com o final da crónica que tinha escrito para hoje, sobre a perda das ilusões e a corrida, no final de Os Maias, de Carlos da Maia e João da Ega atrás de um transporte público:

Atrevo-me a pensar que alguns leitores possam sentir-se identificados, lá no fundo de si mesmos, com o estado de perda de ilusões em que este cronista se encontra (ou pretende que se encontra: como o poeta, o cronista é um fingidor). Se assim for, terá valido a pena este exercício de escrita à volta da perda das ilusões. É aliás um belo título de um excelente romance de Balzac, As Ilusões Perdidas, que em muitas ocasiões parece até passar-se nos dias de hoje. Ou o final da Educação Sentimental de Flaubert ou dos Maias do Eça, onde a perda das ilusões é sintetizada numa conversa cínica entre os principais personagens (Flaubert) ou numa cómica corrida atrás de um meio de transporte, a caminho de uma capitosa ceia (Eça). Porque, afinal, perdidas as ilusões, resta-nos só o irrisório exercício da nossa sobrevivência.

A lanterna vermelha do americano, ao longe, no escuro, parara. E foi em Carlos e João da Ega uma esperança, outro esforço:

- Ainda o apanhamos!

- Ainda o apanhamos!»

Luís Filipe Castro Mendes no Diário de Notícias

DE QUE ME SERVIU IR CORRER MUNDO

De que serviu ir correr mundo,
arrastar, de cidade em cidade, um amor
que pesava mais do que mil malas; mostrar
a mil homens o teu nome escrito em mil
alfabetos e uma estampa do teu rosto
que eu julgava feliz? De que me serviu

recusar esses mil homens, e os outros mil
que fizeram de tudo para eu parar, mil
vezes me penteando as pregas do vestido
cansado de viagens, ou dizendo o seu nome
tão bonito em mil línguas que eu nunca
entenderia? Porque era apenas atrás de ti

que eu corria o mundo, era com a tua voz
nos meus ouvidos que eu arrastava o fardo
do amor de cidade em cidade, o teu nome
nos meus lábios de cidade em cidade, o teu
rosto nos meus olhos durante toda a viagem,

mas tu partias sempre na véspera de eu chegar.

Maria do Rosário Pedreira de Nenhum Nome Depois em Poesia Reunida

terça-feira, 24 de junho de 2025

NOTÍCIAS DO CIRCO


 Dizia, ontem, o Dudu, na Esplanada do «Café Faz Falta»:

O circo não presta e o pão já vai faltando. Já sabemos que a infelicidade não é para amanhã, já está aí a bater à porta.

O director de Dermatologia do Hospital de Santa Maria, apresentou a demissão, após terem sido apresentados os resultados preliminares do relatório interno solicitado pelo presidente do Conselho de Administração às cirurgias adicionais, no que diz respeitos aos gastos abusivos praticados por médicos daquela unidade aos fins-de-semana.

Um dermatologista do Hospital de Santa Maria recebeu mais de 400 mil euros por trabalho extra em dez sábado do ano passado. Um outro médico registou a realização de cirurgias em seu nome, que foram feitas por outros médicos. Em 2024, terá ganho 113 mil euros em apenas sete sábados.

Diga-se que estes acontecimentos não têm, basicamente, a ver com o Serviço Nacional de Saúde.

Como outras prestações de outros profissionais de outras áreas, terão a ver com professores, ou polícias, ou qualquer outra profissão.

Terão a ver com gentes sem escrúpulos, sem ponta de profissionalismo, bom senso, ética, cultura, que apenas pensam em dinheiro, dinheiro e mais dinheiro.

Provavelmente, gentes que votam «naquela coisa».

Mas isto é uma especulação pessoal.

REOLHARES



É BOM NÃO ESQUECER!
 
«O auto proclamado Estado Islâmico, um misto de loucos e mercenários e sabe-se lá mais o quê, tomou a cidade de Palmyra, cujas ruínas arqueológicas são património da Humanidade. 

Receia-se o pior.

O caos há muito que está lançado no Médio Oriente.

Umas semanas atrás, Barack Obama enquadrou pela primeira vez o aparecimento e posterior expansão do grupo terrorista Estado Islâmico no contexto das decisões de política externa americana:

«O Estado Islâmico é uma consequência direta da Al-Qaeda no Iraque, que cresceu da nossa invasão. É um exemplo de uma “consequência não-intencional”, razão pela qual devemos geralmente apontar antes de disparar.»

Saddam Husseuin, Khadafy eram o que eram mas mantinham um controlo sobres aqueles territórios.

Todos os que sonhavam com primaveras árabes, com a queda daqueles ditadores, podem agora olhar no que tudo isso deu.

Já antes, Noam Chomsky dissera:

 Toda a gente está preocupada em acabar com o terrorismo. Bem, há uma maneira muito fácil: parem de participar nele.»

(Texto publicado em 24 de Maio de 2015)

O MUNDO NO FIO DA NAVALHA


Donald Trump anunciou às 23h00 de segunda-feira um cessar-fogo entre o Irão e Israel, mediado pelo Qatar, que seria supostamente iniciado seis horas após o anúncio do acordo.

No entanto, Israel foi alvo de mísseis iranianos e Teerão sofreu intensos bombardeamentos durante a madrugada. O presidente dos Estados Unidos disse esta terça-feira na rede Truth Social que o acordo "já estava em vigor" e pediu que "não o violassem".

Que não sejam apenas palavras, palavras, palavras! 

RELAÇÃO DE CASAS BOAS E MÁS PARA JUÍZO DOS ARQUITECTOS CARLOS LOUREIRO E PÁDUA RAMOS

Há casas
cuja beleza começa no projecto;
outras, e são talvez as mais belas,
existem só na cabeça do arquitecto.

Há casas feitas à medida do homem,
outras há para andar de bicicleta;
há casas sobre cascatas
onde ao sortilégio da água
se junta a música de Bach.

Há casas tão ajustadas
como fato por medida
ou um verso de Cesário,
outras de tão confusas
não viram regra nem esquadro.

Há casas de papel, casas de madeira,
casas de palha e de barro;
casas que trepam pelo céu,
casas que cheiram a jasmim do Cabo;
há casas só para dormir
parecidas com um sudário.

Há casas onde
habitar é o começo da morte;
há casas de pátios caiados
com varandas para o mar;
casas onde apetece estar sentado
com um gato nos joelhos
e o coração apaziguado.

Há casas com recantos para amar,
há outras onde o amor
se faz em cinco minutos,
e às vezes já é demais;
há casas como um dedal
e geometria de abelhas,
casas de perfil atento
ao rumor de nascentes e de estrelas.

Há casas como um cristal,
casas de luz circular,
casas onde não é possível
ouvir correr o silêncio; há casas
que de casas só têm o nome;
há casas que nem para cães.

Há casas tão inteligentes
que não consentem qualquer margem
para luxos e arrebiques,
casas onde a alegria se instala
sem tempo nenhum para a mágoa.

Há casas onde o pão é triste
e a roupa mal lavada;
há casas que são um rio, há casas
que são um barco;
outras têm pomares
onde os diospiros ardem;
há casas com terras de vinha e trigo
e muros a toda a roda.

Há casas que são um poema
para dar a um amigo.

Eugénio de Andrade em Poesia

segunda-feira, 23 de junho de 2025

POSTAIS SEM SELO


Mesmo se vivemos rodeados de perguntas, as mais preciosas são, porventura, aquelas que em silêncio nos acompanham desde o princípio, aquelas que se confundem com o que somos, como o espinho no troço da rosa ou como a rosa que, sem sabermos como, floresce no cimo improvável daquela sucessão de espinhos.

José Tolentino Mendonça em O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas

Legenda: imagem tirada de O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas

O OUTRO LADO DAS CAPAS

Permito-me lembrar que Mário-Henrique  Leiria está bem representado na Biblioteca da Casa, veja-se a etiqueta Mário-Henrique Livros.

A E-Primatur iniciou, em Maio de 2017, a publicação das Obras Completas de Mário-Henrique Leiria constituída por três volumes.

Faltava-me o II volume. Comprei-o ontem no último dia da Feira do Livro deste ano.

A obra completa de Mário-Henrique Leiria tem como responsável Tânia Martuscelli, crítica de literatura e de arte, professora da Universidade do Colorado/Boulder nos Estados Unidos.

Desconhecia que houvesse alguém tão especializado na obra de Mário-Henrique Leiria e o quanto isso o divertiria. Tania Martucelli tem a ideia de que conseguiu reunir todos os textos constantes do espólio do autor e vários outros materiais dispersos.

Mário-Henrique Leiria não se considerava um escritor mas um tipo que escrevia umas coisas quando a veia, aliada a um grande gin-tonic, resolve ser boa companheira.

Depois de 1951 começou a andar de um lado para o outro.

«Teve vários empregos, marinha mercante, caixeiro de praça, operário metalúrgico, construção civil (não, não era arquitecto, carregava tijolo), etc., pelas terras onde andou: a Europa cristã e ocidental, o Mediterrâneo norte-africano, o Oriente Médio e até, dizem, os países socialistas. Não ia aos Balcãs porque tinha medo, todos lhe diziam que lá os bigodes eram enormes e as bombas estoiravam até no bolso. Um dia teve de passar por lá. Os bigodes eram realmente grandes, mas toda a gente sabia rir. Tirou o casaco e bebeu que se fartou. Em 1958 meteram-se-lhe ideias na cabeça e foi até Inglaterra, para aprender coisas. Não aprendeu e voltou. Entre 1959 e 1961 foi casado e não fez mais nada. Em 1961 foi para a América Latina donde voltou nove anos depois. Por lá conseguiu ser, entre outras actividades menos respeitáveis, planejador de stands para exposições, encenador de teatro e até director literário de uma editora. Fizera progressos»

Quantos papéis, quantos textos, quantos projectos Mário-Henrique Leiria perdeu nestas suas novas-velhas-andanças?

Mas este é o trabalho possível e louve-se a iniciativa.

Claro que o autor já mandou descer mais um gin e está ainda a gargalhar porque ele sempre foi um campeão de perder textos, e textinhos, divertia-se a escrever e a esconder o que escrevia.

Mas repito: Quantos papéis, quantos textos, quantos projectos Mário-Henrique Leiria perdeu por esse mundo fora?

Nova repetição: mas pronto! É o trabalho possível, um trabalho dignificante para a literatura portuguesa e para esse futuro que se não ler o Mário-Henrique não sabe o que perde e tão pouco merce ser futuro.

Acredito que Mário-Henrique Leiria sentirá uma lágrima rebelde aflorar-lhe aos olhos, pedirá mais um gin e agradecerá do fundo do coração. 

OLHAR AS CAPAS


Poesia

Mário-Henrique Leiria

Obras Completas Vol. II

Introdução, Organização e Notas: Tania Martuscelli

E-Primatur, Lisboa Maio de 2025

 

Triângulo Kabalístico

 

Eu sei que as túlipas
são os olhos de todos os aviões perdidos

Eu sei que as cidades
são os esqueletos das aves de rapina

Eu sei que os candeeiros ardendo de noite
são os pulmões dos peixes-voadores

Eu sei que o mistério
é uma dentadura abandonada

Eu sei que a loucura
é um braço solitário sorrindo eternamente

Eu sei que os meus olhos
são as tuas pernas frementes

Eu sei que os teus cabelos
são o meu acendedor de pirilampos

Eu sei que a tua boca
é o meu uivo solar

Eu sei que o teu peito e o teu sexo
são a minha água profundamente azul
onde se encontram todos os fantasmas
já perdidos há séculos

DE BOLORENTOS LIVROS RODEADO

De bolorentos livros rodeado

moro, Senhor, nesta fatal cadeira

de quinze invernos a voraz carreira

me tem no mesmo posto sempre achado.

 

Longo tempo em pedir tenho gastado,

e gastarei talvez a vida inteira;

o ponto está em que quem pode queira,

que tudo o mais é trabalhar errado.

 

Príncipe augusto, seja vossa a glória:

fazei que este infeliz ache ventura;

ajuntai mais um facto à vossa história.

 

Mas, se inda aqui me segue a desventura,

cedo ao meu fado, e vou co’a palmatória

cavar num canto da aula a sepultura.

 

Nicolau Tolentino em Sátiras 

domingo, 22 de junho de 2025

À LUPA


«Envergonhar-se e arrepender-se dos erros cometidos é o que se espera de qualquer pessoa bem nascida e de sólida formação moral, e Deus, tendo indiscutivelmente nascido de Si mesmo, está claro que nasceu do melhor que havia no seu tempo. Por estas razões, as de origem e as adquiridas, após ter visto e percebido o que aqui se passa, não teve mais remédio que clamar mea culpa, mea maxima culpa, e reconhecer a excessiva dimensão dos enganos em que tinha caído. É certo que, a seu crédito, e para que isto não seja só um contínuo dizer mal do Criador, subsiste o facto irrespondível de que, quando Deus se decidiu a expulsar do paraíso terreal, por desobediência, o nosso primeiro pai e a nossa primeira mãe, eles, apesar da imprudente falta, iriam ter ao seu dispor a terra toda, para nela suarem e trabalharem à vontade. Contudo, e por desgraça, um outro erro nas previsões divinas não demoraria a manifestar-se, e esse muito mais grave do que tudo quanto até aí havia acontecido.»

José Saramago no livro Terra de Sebastião Salgado

TRUMPALHADAS


Guerras atrás de guerras.

Alguém, mais tarde ou mais cedo, terá que explicar como se desenrola a subserviência que Trump, outros políticos, têm com Benjamim Netanyahu.

Se o mundo já estava perigoso, mais perigoso, nesta madrugada ficou, quando Trump numa jogada de alto risco, acabou de se juntar a Israel no combate ao Irão.

125 aviões militares, entre eles sete bombardeiros B-2, e duas dezenas de mísseis Tomahawk foram a escolha dos EUA para atacarem as instalações nucleares iranianas, a chamada Operação Martelo da Meia-Noite. Mas a "estrela" do ataque terá mesmo sido a GBU-57, a bomba fura-bunkers que terá sido usada contra as instalações subterrâneas de Fordo. Neste ataque cirúrgico, que visou também as centrais nucleares de Natanz e Isfahan os EUA recorreram a 14 bombas GBU-57, lançadas pelos B-2, confirmou este domingo, 22 de junho, o general Dan Caine, numa conferência de imprensa no Pentágono. Esta foi a primeira utilização operacional destas bombas.

Durante a madrugada, o presidente norte-americano, Donald Trump, garantiu, num breve discurso à nação, que as principais instalações nucleares do Irão foram “completa e totalmente destruídas” nestes ataques.

OLHAR AS CAPAS


Bilhetes de Colares de A.B. Kotter

José Cutileiro

Tradução de J. Fonseca

Capa: desenho deAndré Carrilho

Colecção: Horas Extraordinárias

O Independente, Lisboa 2004

A Mãe chamou-me outro dia a atenção para o estado em que está o Preto da Queijadas. Numa altura em que o Protocolo de Estado deste maravilhosos País, animado pelos triunfos africanos de Suas Excelências o Senhor Presidente da República e o Senhor Primeiro-Ministro, deveria servir apenas queijadas do Preto, esquecendo as das outras marcas, não só não parece haver preferência –dizem-me que, se não virem os rótulos, nem o Senhor General R. Eanes nem o Senhor Dr. P. Balsemão são capazes de distinguoir uma queijada do Preto de uma Piriquita ou da matilde -, como o próprio Preto, o boneco de madeira fardado de manante a apresentar um pacote de queijadas, está reduzido a um taco desbotado pelo e pela chuva, em vez de ser, como era dantes, a presença colorida e galharda de África em Sintra.

MARCADORES DE LIVROS


 Colaboração de Aida Santos

sábado, 21 de junho de 2025

MÚSICA PELA MANHÃ


Às 02,42 horas começou o Verão.

O Ruy Belo adorava o Verão, eu nem por isso. 

Fico-me com as restantes estações do ano e fico bem.

O Cesare Pavese escreveu que  «a gente sente-se não sei como quando sai e vê as mulheres com vestidos de Verão.»

Seguindo o calendário, dir-se-á que a Primavera acabou ontem.

Por um Março de 2019, Manuel S. Fonseca saudava assim a chegada da Primavera:

«A Primavera é como a primeira luz que rompe a escuridão da sala de cinema. Enche-nos da pior das volúpias, a volúpia infantil. Às 11 da manhã já o Chiado, já a Rua de Santa Catarina lavam os olhos nas nuas e frescas pernas das raparigas, nos decotes que deixam fugir a redonda carne em direcção ao sol. É Primavera e decoto-me eu também: segue-se a cândida exposição das coisas de que, diletante, gosto muito e sem vergonha.

 

Gosto:


Da primeira saia que o cinema levantou para, mostrando a perna, parar um carro e conseguir uma boleia. Era a perna de Claudette Colbert em “It Happened One Night”.

Do teu decote.

Da dúbia adolescência da perna de Evvie, entalada entre o desejo de um branco e o desejo de um negro, em “La Joven”, o filme americano de Luis Buñuel.

De acácias e jacarandás, do cheiro do jasmim finalmente em flor.

Do fumo de uma sórdida esquadra de polícia de “Basic Instinct”, em que as cruzadas e descruzadas pernas de Sharon Stone são o pêndulo que nos troca os olhos.

De imaginar a espavorida fuga dos inocentes anjinhos nos momentos de volúpia de Deus.

Da alva pureza dos shorts de Jean Seberg em “Bonjour Tristesse” e da indizível convulsão que, querendo desabrochar, neles se esconde.

De um dry martini ao fim de tarde, no Shutters on the Beach, em Santa Monica.

Da miniatura de um Simca vermelho descapotável com que Curd Jürgens faz Brigitte Bardot içar do chão o simétrico e irretocável rabo que dourava ao sol.

De golos de bandeira ao domingo, numa tarde de sol.

Do vestido às riscas de Anna Karina a fazer pendant com os estofos de couro vermelhos e creme do descapotável em que foge com Pierrot. Ele, louco. Ela com a boca cheia de liberdade e de Rimbaud.

De risos e beijos.

Dos olhares de quatro mulheres para o tronco nu de William Holden que, em “Picnic”, de Joshua Logan, queima o lixo no quintal, “naked as an Indian”. Olhares que mordem, olhares de mulheres bonitas cansadas de serem apenas olhadas, que foi o que, quando vi o filme, ouvi Kim Novak dizer.

Sim, gosto das pernas das raparigas quando chega a Primavera.»

sexta-feira, 20 de junho de 2025

EM BUSCA DE FLORES AZUIS NO DESERTO


Notícias do genocídio que o criminoso Benjamin Netanyahu prossegue em Gaza:

«Mortos a tiro 45 palestinianos que esperavam ajuda alimentar.»

Entretanto o governo português entende que o reconhecimento da Palestina está sujeito aos ditames da cinzenta Comissão Europeia.

Respondendo a uma pergunta do deputado do PS João Torres, durante o debate preparatório do Conselho Europeu dos próximos dias 26 e 27, no parlamento, Luís Montenegro recusou que Portugal faça “um reconhecimento individualizado” ou numa “corrida para ver quem chega à frente” pois o Governo português mantém “uma avaliação permanente sobre a possibilidade de reconhecimento”, que, considerou, deve ter “um efeito útil”, o primeiro-ministro elencou uma série de condições que devem ser salvaguardadas.

 “Estas condições, uma vez garantidas, salvaguardadas, vão abrir a possibilidade para que esse reconhecimento se possa efetuar, num quadro de concertação estratégica à escala europeia”, comentou Montenegro.

Segundo o líder do executivo português, estas condições passam pela garantia, pela Autoridade Palestiniana, de uma “libertação segura dos reféns que o Hamas tem na sua posse” e pelo desarmamento do grupo islamita palestiniano, no poder na Faixa de Gaza.

A Autoridade Palestiniana, acrescentou, deve proceder a “reformas internas com vista a poder perspetivar-se no médio prazo realização de eleições presidenciais e legislativas”, além de reconhecer o Estado de Israel.

Além disso, a Palestina deve ser desmilitarizada, cabendo a segurança externa a missões de proteção internacional.

Montenegro adiantou que Portugal está em contacto com outros parceiros europeus e “mais preocupado em estabelecer pontes e parcerias e não tanto em fazer números para aparecer mais nas notícias internacionais”.

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O Próximo Outono

João Miguel Fernandes Jorge e Pedro Calapez

Capa: Carlos César Vasconcelos

Relógio D’Água Editores, Lisboa Outubro de 2012

Dia de muito sol. Perto da lua cheia. O melhor autocarro para o atelier do Pedro C. é o 26, em frente ao rapidamente desaparecido Caffè di Roma perto do Saldanha. A exposição será a 14 de outubro de 2004 e terminará a 15 de janeiro de 2005. Teremos em conta somente as obras a partir dos anos 90.

Por vezes fixo uma data, talvez até ao fim da minha vida. E quando chegar um dia antes desse dia, posso lembrar-me sempre de um facto que se lhe prende. Não importa que seja um aniversário. Pode não passar de um gesto, de um rosto que para sempre ficou perdido na distância não só do tempo como de uma rua, de uma sala de museu, de uma loja. Durou segundos, mas traz o traço, a sombra, a luminosidade capaz de se prender pelo que houver de longo na minha vida. Irrompe no exacto dia do aniversário da sua aparição, ou andará próximo desse instante. Nem sempre é um rosto, um corpo, ou um melro morto à beira de um passeio. Um objecto pode ser o senhor desse domínio festivo. Mesmo a morte de um melro ou de alguém amado transporta consigo um sentido de festa, de coisa que se comemora no mais secreto. Neste dia assalta-me sempre o tapete de Samarcanda. Como se descesse no meu pátio vindo dos céus do Uzbequistão.

OSZAR »